26 janeiro 2009

Cabeleireiro - Episódio 522

Enquanto espero, pego na primeira revista que vem à mão, GQ, uma revista para homens. Ao contrário da MaxMen, este exemplar deixou-me boa impressão, bons jornalistas, bons artigos, temas interessantes... enfim, uma revista para "um ser masculino mais evoluído", certamente um nicho (nichozinho) de mercado dum vasto segmento.

Desvio o olhar para as crianças presentes. Três meninas.

Uma, a mais velha, pavoneia-se frenéticamente em frente ao espelho (começa cedo).

A segunda, seguramente irmã da primeira, sentada no chão, está com uma cara de semi-nojo enquanto pega no cabelo cortado impiedosamente caído no chão. Depois, como se tivesse encontrado alguma coisa importante, sorri e levanta-se com uma madeixa agarrada pelos dedos, "mãe este é teu", a mãe olha e sorri "deve ser, parece meu", a mãe volta para a sua revista e a menina mete a madeixa cortada no bolso do vestido.

A terceira está siderada a olhar, para aquela que, deverá ser a sua mãe, acabadinha de ser enfiada num daqueles secadores tipo capacete de astronauta. A menina nem se mexe, tem uma boneca na mão agarrada pelos cabelos, mas está com o olhar fixo na mãe. Imóvel por algum tempo, depois olha para cada uma das pessoas que ali está, uma a uma, só encontra os meus olho, depois olha para a mãe e volta a olhar para mim, parece esperar que eu reaja a algo. Eu não a percebi. Então levanta-se, decidida, espreita, por baixo do capacete, para o rosto da mãe e diz "mamã! ainda respiras?" A mãe gozou bastante com a situação, ridicularizou-a até. A menina voltou a sentar-se, uma mão agarrada ao cabelo da boneca a outra ao banquinho onde se senta. Não demove o olhar da mãe, como quem fica de guarda. E fica.

4 comentários:

Pedro disse...

"só encontra os meus olhos"

e pode ter sido nesse encontro do teu olhar que ganhou a energia (coragem?) para romper essa pergunta importante que lhe ia dentro

os adultos esquecem depressa como é a descoberta do mundo; e essa mãe, a ridicularizar, mostra-se como é

o teu texto está muito bonito; e mais gostei do encontro dos teus olhos

Leonor disse...

Uma ida ao cabeleieiro pode traumatizar qualquer alminha mais incauta ...
perceo lindamente essa reacção aos secadores porque em miúda também a tive ... sorte a minha que a minha mãe tinha uma atítude um pedacito mais pedagogica...

Hoje em dia deixo de respirar quando me arranjam os pés ... às vezes odeio ser gaija ...


beijuka

Unknown disse...

"Enquanto espero, pego na primeira revista que vem à mão, GQ, uma revista para homens. Ao contrário da MaxMen, este exemplar deixou-me boa impressão, bons jornalistas, bons artigos, temas interessantes..."

E gajas descascadas?

Maria Cardeal disse...

Pedro,
Não me atrevi a escrever o que aquela mãe disse à pequena, foi bastante mau, no entanto pareceu-me que não afectou a menina. Ali ficou, serena e aliviada por saber que a mãe ainda respirava.

(Obrigada) :*


Mlee,
A mim parece-me tão fácil poder explicar as coisas... principalmente a estas mini-criaturas, que parecem perceber tudo. Mas, quem sou eu, não tenho crianças por perto para testar as minhas capacidades de ensinar o que quer que seja...

(sim, arranjar os pés também me faz agarrar à cadeira...nem sei se respiro!)
Beijo

Luis,
meu caro Luis, não me lembro de ver nada descascado na revista... distrai-me a olhar para uma foto do Miguel Sousa Tavares, mesmo não estando descascado, acho que ainda me babei.
;)~